domingo, 4 de outubro de 2015

O Quinze - Rachel de Queiroz



“Uma vontade obscura e incerta de ascender, de voar! Um desejo de se introduzir a grandes passos na imensa treva da noite, e a atravessar, e a romper, esquecido das lutas e trabalhos, e penetrar num vasto campo luminoso onde tudo fosse beleza, e harmonia, e sossego. Desejo de se integrar numa natureza diferente daquela que o cercava, de crescer, de subir, de bracejar num emaranhado de ramos, de se sentir envolto em grandes flores macias, de derramar seiva, a seiva viva e forte que o incandescia e tonteava. Mas o cansaço o amolentava.”
“Onde ficava afinal o mérito superior do Paulo, que o colocava tão alto no conceito da família, que punha sob o bigode branco do major um sorriso desvanecido, quando dizia, numa conversa:
– Meu filho, o doutor...
Seria por suportar com mais paciência a moçada das aulas, onde um velho pedante disserta, por se enfrascar com inexplicável interesse em leituras difíceis, que só de recordá-las sentia calafrios de preguiça e de tédio? E o seu esforço constante, sua energia, sua saúde, sua alma que nunca suportou a servidão a uma disciplina ou a um professor, que não admitia que o mandassem agir e que o mandassem pensar... não valeriam muito mais que um interesse estéril de juristas por abstrações, ou o quase culto do servilismo de aluno pelo mestre; depois de formado, o mestre fora substituído pelo juiz, de quem suportava as anedotas e a carranca, de quem comia os jantares, a quem namorava a filha, visando apenas promoção, prestígio... Então ser superior é renunciar ao seu feitio e à sua vontade e, recortando todo o excesso de personalidade, amoldar-se à forma comum dos outros?”
— Jose Olympio Editora, 1915.

Análise deste texto
     Nesse trecho do livro "O Quinze" de Rachel de Queiroz, um romance de cunho social, profundamente realista, a autora descreve sua triste realidade: a miséria, a seca, e a alternativa de ir para uma cidade grande com o intuito de fugir de tais problemas que assolam o povo nordestino.

    Todos sabemos que o século XX foi marcado por grandes acontecimentos no Brasil e no mundo. A tendência ao nazi-fascismo crescia na Europa, o que terminou em um dos eventos mais sangrentos da História: a Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, no nosso país em vários outros da América Latina observa-se a política da ditadura, um período de extrema censura principalmente na cultura. A escritora e jornalista Rachel de Queiroz por esse mesmo motivo, demonstrava enorme descontentamento á essa política que interfere direta e duramente na maneira de expressão do povo em geral.

    Diante desse terrível âmbito nacional, o que possivelmente tenha motivado Raquel de Queiroz a traduzir diversas de suas obras foi a crescente divulgação da literatura feminina, que pode ser vista em muitas de suas obras através da descrição das mulheres como sendo fortes. Com isso, a escritora e transcreve em suas obras a realidade política e social do país, de forma a valorizar as mulheres, mesmo em um período de profunda repressão.

     Esse é um livro com características marcantes do Modernismo, como: a forma como descreve a alma feminina, linguagem enxuta e preocupação de cunho social.


 

Um comentário:

  1. Ótimo, poucos retrataram tão bem nossas misérias quanto Raquel de Queiroz.

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