“Uma vontade obscura e incerta
de ascender, de voar! Um desejo de se introduzir a grandes passos na imensa
treva da noite, e a atravessar, e a romper, esquecido das lutas e trabalhos, e
penetrar num vasto campo luminoso onde tudo fosse beleza, e harmonia, e
sossego. Desejo de se integrar numa natureza diferente daquela que o cercava,
de crescer, de subir, de bracejar num emaranhado de ramos, de se sentir envolto
em grandes flores macias, de derramar seiva, a seiva viva e forte que o
incandescia e tonteava. Mas o cansaço o amolentava.”
“Onde ficava afinal o mérito
superior do Paulo, que o colocava tão alto no conceito da família, que punha
sob o bigode branco do major um sorriso desvanecido, quando dizia, numa
conversa:
– Meu filho, o doutor...
Seria por suportar com mais
paciência a moçada das aulas, onde um velho pedante disserta, por se enfrascar
com inexplicável interesse em leituras difíceis, que só de recordá-las sentia
calafrios de preguiça e de tédio? E o seu esforço constante, sua energia, sua
saúde, sua alma que nunca suportou a servidão a uma disciplina ou a um
professor, que não admitia que o mandassem agir e que o mandassem pensar... não
valeriam muito mais que um interesse estéril de juristas por abstrações, ou o
quase culto do servilismo de aluno pelo mestre; depois de formado, o mestre
fora substituído pelo juiz, de quem suportava as anedotas e a carranca, de quem
comia os jantares, a quem namorava a filha, visando apenas promoção,
prestígio... Então ser superior é renunciar ao seu feitio e à sua vontade e,
recortando todo o excesso de personalidade, amoldar-se à forma comum dos
outros?”
— Jose Olympio Editora, 1915.
Análise deste texto
Nesse trecho do livro "O Quinze"
de Rachel de Queiroz, um romance de cunho social, profundamente realista, a
autora descreve sua triste realidade: a miséria, a seca, e a alternativa de ir
para uma cidade grande com o intuito de fugir de tais problemas que assolam o
povo nordestino.
Todos sabemos que o século XX foi marcado
por grandes acontecimentos no Brasil e no mundo. A tendência ao nazi-fascismo
crescia na Europa, o que terminou em um dos eventos mais sangrentos da
História: a Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, no nosso país em vários
outros da América Latina observa-se a política da ditadura, um período de
extrema censura principalmente na cultura. A escritora e jornalista Rachel de
Queiroz por esse mesmo motivo, demonstrava enorme descontentamento á essa
política que interfere direta e duramente na maneira de expressão do povo em
geral.
Diante desse terrível âmbito nacional, o
que possivelmente tenha motivado Raquel de Queiroz a traduzir diversas de suas
obras foi a crescente divulgação da literatura feminina, que pode ser vista em
muitas de suas obras através da descrição das mulheres como sendo fortes. Com
isso, a escritora e transcreve em suas obras a realidade política e social do
país, de forma a valorizar as mulheres, mesmo em um período de profunda
repressão.
Ótimo, poucos retrataram tão bem nossas misérias quanto Raquel de Queiroz.
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