domingo, 4 de outubro de 2015

Antífona - Cruz e Souza

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras

Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
 
 Análise deste texto
            O Simbolismo teve seu início no final do século XIX. Esta fase literária inicia-se com a publicação em 1893, de Missal e Broquéis, de João da Cruz e Souza. A linguagem simbolista se caracterizava como abstrata e sugestiva, atribuindo um certo misticismo e religiosidade às obras.

           No poema 'Antífona', vemos duas vozes cantando, como se complementassem seus versos com antífonas. Elas conversam recitando versículos bíblicos. Logo, interpretamos que o poema deve ser lido com a gravidade de uma missa, e o ritmo da música sagrada. 

        O poema é distribuído em onze estrofes, cada estrofe com quatro versos. E é explícita a característica sombria encontrada no Simbolismo: o culto da noite, o pessimismo, a morte, dentre outros. A preocupação com a formalidade do texto aproxima-o do parnasianismo, como a forma polida, o estilo de soneto, o verbalismo requintado, a força das imagens, o drama existencial. Também é notável o sentimento de opressão, um desejo por fugir da realidade. 

          A musicalidade também está presente no poema, como observamos com o destaque dado à sonoridade das palavras. Outra característica presente nesta poesia, é uma a formação de imagens através das palavras. O poeta brinca com as palavras, nos fazendo imaginá-las em nossa mente a partir da significação no contexto em que estão inseridas.. Remetem-nos claramente ao termo Simbolismo, que é o símbolo e pensamento por imagem. 

            No plano temático apresenta características relacionadas à morte, a transcendência espiritual, a integração cósmica, o mistério, o sagrado, o conflito entre matéria e espírito, a escravidão, atenção especial por brilhos e pela cor branca, a angústia e a purificação sexual.

Pré-história - Murilo Mendes



Mamãe vestida de rendas 
Tocava piano no caos. 
Uma noite abriu as asas 
Cansada de tanto som, 
Equilibrou-se no azul, 
De tonta não mais olhou 
Para mim, para ninguém! 
Cai no álbum de retratos.

Analise deste texto 
        A poesia se refere à morte da mãe do narrador, que na época parece ser muito pequeno, mas de quem tem uma imagem bem nítida que é justificada pela expressão "vestida de rendas". A referência à morte é feita de forma indireta, tanto pelo fato de a ideia da morte ser muito triste, e pelo fato do que o narrador não a tendo sequer percebido. Os indícios linguísticos para essa interpretação de morte estariam nos versos: "Uma noite abriu as asas/Equilibrou-se no azul,/ Cai no álbum de retratos".
        O poema pode ser relacionado ao Surrealismo porque Murilo Mendes, em “Pré-história”, utiliza recursos típicos dessa vanguarda. No poema, a “mamãe” do eu lírico toca “piano no caos”, equilibra-se “no azul” e “cai” num “álbum de retratos”, imagens associadas ao procedimento de deslocamento, típico do universo onírico.


 

O Quinze - Rachel de Queiroz



“Uma vontade obscura e incerta de ascender, de voar! Um desejo de se introduzir a grandes passos na imensa treva da noite, e a atravessar, e a romper, esquecido das lutas e trabalhos, e penetrar num vasto campo luminoso onde tudo fosse beleza, e harmonia, e sossego. Desejo de se integrar numa natureza diferente daquela que o cercava, de crescer, de subir, de bracejar num emaranhado de ramos, de se sentir envolto em grandes flores macias, de derramar seiva, a seiva viva e forte que o incandescia e tonteava. Mas o cansaço o amolentava.”
“Onde ficava afinal o mérito superior do Paulo, que o colocava tão alto no conceito da família, que punha sob o bigode branco do major um sorriso desvanecido, quando dizia, numa conversa:
– Meu filho, o doutor...
Seria por suportar com mais paciência a moçada das aulas, onde um velho pedante disserta, por se enfrascar com inexplicável interesse em leituras difíceis, que só de recordá-las sentia calafrios de preguiça e de tédio? E o seu esforço constante, sua energia, sua saúde, sua alma que nunca suportou a servidão a uma disciplina ou a um professor, que não admitia que o mandassem agir e que o mandassem pensar... não valeriam muito mais que um interesse estéril de juristas por abstrações, ou o quase culto do servilismo de aluno pelo mestre; depois de formado, o mestre fora substituído pelo juiz, de quem suportava as anedotas e a carranca, de quem comia os jantares, a quem namorava a filha, visando apenas promoção, prestígio... Então ser superior é renunciar ao seu feitio e à sua vontade e, recortando todo o excesso de personalidade, amoldar-se à forma comum dos outros?”
— Jose Olympio Editora, 1915.

Análise deste texto
     Nesse trecho do livro "O Quinze" de Rachel de Queiroz, um romance de cunho social, profundamente realista, a autora descreve sua triste realidade: a miséria, a seca, e a alternativa de ir para uma cidade grande com o intuito de fugir de tais problemas que assolam o povo nordestino.

    Todos sabemos que o século XX foi marcado por grandes acontecimentos no Brasil e no mundo. A tendência ao nazi-fascismo crescia na Europa, o que terminou em um dos eventos mais sangrentos da História: a Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, no nosso país em vários outros da América Latina observa-se a política da ditadura, um período de extrema censura principalmente na cultura. A escritora e jornalista Rachel de Queiroz por esse mesmo motivo, demonstrava enorme descontentamento á essa política que interfere direta e duramente na maneira de expressão do povo em geral.

    Diante desse terrível âmbito nacional, o que possivelmente tenha motivado Raquel de Queiroz a traduzir diversas de suas obras foi a crescente divulgação da literatura feminina, que pode ser vista em muitas de suas obras através da descrição das mulheres como sendo fortes. Com isso, a escritora e transcreve em suas obras a realidade política e social do país, de forma a valorizar as mulheres, mesmo em um período de profunda repressão.

     Esse é um livro com características marcantes do Modernismo, como: a forma como descreve a alma feminina, linguagem enxuta e preocupação de cunho social.